Ainda no embalo com que vinha do 5º andar, Vítor chegou ao 6º e ao ver a porta do apartamento entrou, fechou a porta e os olhos, respirou fundo e agradeceu por estar seguro lá dentro. Ao respirar fundo sentiu um cheiro diferente, sentiu cheiro de plantas. Aquilo era esquisito! Quando abriu os olhos para conferir onde estava deu de frente com uma enorme floresta, olhou para trás e a porta tinha sumido.
Fez, então, a única coisa que poderia ter feito: andou.
Meia hora depois avistou uma casinha, era pequena, porém, não muito. Era pequena no sentido de que as portas, e todo o resto, eram menores do que as que temos em nossos quartos. Teve a mais simples idéia de toda a face da Terra, a de ir até a casinha e ver se encontrava alguém.
E já estava quase chegando na cerca que rodeava a casa quando escutou uma voz que vinha por suas costas:
– Olhe! Que surpresa... Temos visita!
Vítor virou-se e viu um velho, um velho com orelhas pontudas e com o rosto e as mãos meio amarelados. A estatura dele era pequena, posso dizer que proporcional ao tamanho da casinha da qual falei há pouco tempo. E ao reparar no tom amarelado do velho, Vítor perguntou:
– O senhor está doente?
– Sim, meu filho! Eu sou um duende! – respondeu o velho com um sorriso.
– Você está de brincadeira comigo? – brigou Vítor.
– Claro que eu poderia ser seu amigo... A minha casa é aqui perto, vamos até lá para conversarmos melhor. Vou te apresentar a minha mulher! Nós, os duendes, adoramos fazer amigos.
Vítor percebeu que ele era meio surdo e que queria ser seu amigo, porém já tinha se dado mal em casos de amizade. E, por isso, tentou se desculpar e ir embora dali:
– Eu tenho de ir embora, já é muito tarde!
– Não diga uma coisa dessas! Minha senhora não vai te achar um covarde. Sabe? Ela já está acostumada com pessoas iguais a você que se perdem na floresta. Você não é o primeiro e nem será o último.
E antes que Vítor falasse, ele continuou andando e falando, impedindo assim que Vítor fosse embora
– Qual o seu nome?
– Vítor.
– Igor? Bonito nome você tem...
– E o senhor, como chama?
– Esplendor Colama. Igor Esplendor Colama. Vou te dizer o meu nome, quer saber qual é?
Vítor balançou a cabeça fazendo sinal de sim!
– Meu nome é Gulawinsk e, antes que eu me esqueça, a minha mulher se chama Serespolia.
– Gulawinsk? Serespolia? Que nomes esquisitos!
– Obrigado, garoto. Como eu já disse o seu nome também é bonito!
E chegaram na casinha do velho duende.
– Serespolia! – gritou Gulawinsk pela mulher – Cheguei e trouxe alguém para o jantar!
– Que maravilha! Temos visita – exclamou a duende que também tinha orelhas pontudas e a pele meio amarela.
– Entre, meu rapaz! Espere-me enquanto troco de roupa.
Vítor abaixou a cabeça e entrou na casinha. Sua sorte era que os duendes tinham em casa um teto bem mais alto que o necessário. Depois ficou sabendo que o teto havia sido feito para que o casal pudesse receber visitas que não fossem duendes.
– Com muita freqüência recebemos visitas. A Dona Onça, que é vizinha nossa, vem todas as noites aqui. – explicou Serespolia a Vítor.
– Mas a onça não come vocês?
– Não, imagine! Vivemos em grande harmonia com os animais! Somos nós que pintamos o pelo da onça, somos nós que arrancamos os pezinhos que estão para nascer nas cobras com um alicate e assim por diante. Por isso, todos os animais da floresta gostam de nós.
E com uma roupa diferente Gulawinsk chegou:
– Sobre o que falavam, querida?
– Sobre os sinais da sua testa. – respondeu ela.
– Entendo. Sabe, Igor? Eu também adoro os animais da floresta. O bicho com quem eu tenho mais paixão de trabalhar é o sapo. Você gosta de sapo?
Vítor balançou a cabeça de um lado para o outro. Ele ainda não tinha a experiência de Serespolia. Esta perguntou para Vítor:
– O que você está fazendo na floresta? Está perdido?
– Mais ou menos, a história é longa e complicada, você não entenderia.
– Talvez sim, talvez não! Você não quer me contar?
– Querer eu quero, mas você não vai entender do jeito que eu quero!
– Cada um tem a sua interpretação própria das histórias que lê ou escuta, porém, posso te garantir que nenhuma dessas interpretações é errada, é apenas algo que o nosso “eu” lá no fundo precisa entender. – explicou Serespolia.
– O duende Gulawinsk é um exemplo?
– Sim, ele é um exemplo. Ele, por estar com o ouvido sujo, não entende nada direito, mas entende o suficiente para tratar a todos com respeito. Ele é um duende e essa é a sua função.
Gulawinsk, que depois da resposta negativa de Vítor tinha ido procurar uma varinha mágica para com ela tentar limpar os ouvidos, voltou para a sala com as mãos vazias. Para dizer a verdade ele nem ligava de ter as orelhas sujas, gostava era mesmo de balançá-las, enquanto uma estava apontada para frente a outra estava voltada para trás e vice-versa. Era engraçado ver um duende velho fazer aquilo!
Ia haver uma festa na floresta naquela noite e Gulawinsk não poderia aparecer de orelhas sujas. Serespolia pediu para Vítor que o ajudasse a limpá-las.
– Eu ajudo! Assim conhecerei o Gulawinsk de verdade e ele saberá que não me chamo Igor.
Os dois foram até o fundo da casinha, onde ficava uma mangueira, para tentarem tirar toda aquela sujeira dos ouvidos de Gulawinsk.
– Deixa-me ver a sua orelha!
– Ovelha? Não tenho ovelha!
Vítor o pegou pela pontinha pontiaguda da orelha e a segurou com tanta força que o duende gritou. Além disso, para que ele aprendesse que era importante lavar os ouvidos deu uns puxões para lá e para cá, quase as arrancando, sempre fingindo ser sem querer!
Para começar o banho Vítor molhou as orelhas e em seguida jogou muito sabão em pó. Depois, com uma escova de dente limpava até onde alcançava, jogou água novamente e as enxugou.
– Você escuta o que eu falo? – quis saber Vítor.
Mas Gulawinsk não respondia e por isso levou mais uns dois ou três puxões de orelha. Assim, o duende reclamou:
– Não puxe assim as minhas lindas orelhinhas, senão elas vão parecer orelhões de telefone!
– Que? Não estou escutando nada! – e puxou mais duas vezes!
– Ai! Ai! Pára de fazer isso! Você quis me ajudar e não conseguiu, agora está querendo me arrancar o meu brinquedo favorito.
E, dizendo isso, Gulawinsk mexeu as orelhinhas para frente e para trás como gostava de fazer. Ainda as mexendo falou rindo:
– Você não consegue resolver o meu problema! Rá, rá rá!
– Rá, rá, rá! Consigo sim!
E Vítor tapou o próprio nariz, fechou a própria boca e forçou o ar pelo nariz, sinalizando para que o velho duende fizesse igual. E ele fez! Depois de várias tentativas saíram, fazendo o barulho de uma explosão, de cada ouvido cinco quilos de cera. É bastante para um duende tão pequeno.
– Agora você me escuta?
– Sim, Igor! Com perfeição... Obrigado por me ajudar!
– Que bom! Mas eu queria te dizer que o meu nome é Vítor! Entendeu? Vítor!
– Já terminaram? – disse a voz de Serespolia vindo de dentro da casa.
– Sim, querida! – gritou o duende.
– Então, entrem logo. Senão vamos nos atrasar para a festa!
Entraram. Tudo indicava que Vítor iria à festa e dormiria ali, mas não foi isso que aconteceu. Após se arrumar e sentar na sala para esperar, Vítor notou a foto de um outro duende e perguntou para Serespolia que chegava na sala naquele instante:
– Quem é esse duende?
– É o nosso filho! Nós não sabemos o que aconteceu com ele.
– Qual era o nome dele?
– Ele se chamava Igor.
Vítor não disse nada, mas ficou pensativo.
Já pronto, Gulawinsk entrou na sala e disse:
– Vamos para a festa?
– Vamos – concordaram os outros dois.
– Mas antes de sair pela porta eu gostaria de dizer que foi muito bom te rever! Ouviu, Igor?
E falando isso o casal saiu pela porta da frente em direção à festa e foi seguido por Vítor que mesmo sem entender nada foi atrás para poder perguntar, mas quando passou pela porta se achou de novo dentro do prédio. Já estava fora do apartamento e poderia seguir caminho para o 7º andar. Porém, comentou com a escada:
– Eu acho que Gulawinsk entendeu desta história algo impossível!
E a escada disse:
– Nós entendemos das histórias que lemos ou escutamos aquilo que precisamos entender.
E Vítor seguiu caminho para o 7º andar.