segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Capítulo 11

O 3º andar foi inacreditável segundo palavras do próprio Vítor. Nunca imaginava ele que algum dia fosse conversar com um criado-mudo. Isso mesmo, eu disse: um criado-mudo! Você, meu leitor, deve estar pensando como pode um simples móvel de uma casa falar? E ainda, para completar, é um móvel mudo! Eu explico: nem tudo é o que parece ser!

– E lá vamos nós de novo para dentro do apartamento! - comentou Vítor meio completamente desanimado.

– Nós? Graças a Deus é só você! - a escada riu e depois continuou - Acho que você não vai demorar muito, afinal você vai falar com um criado-mudo!

Vítor, sem fazer muita cera, entrou no apartamento que nem sala tinha, já começava no quarto onde tinha um armário, uma cama e o tão falado criado-mudo. Ele olhou cada um dos três móveis com detalhes e todos tinham a aparência de normais, inclusive o criado que foi o último a ser analisado por ele.

Apesar de tão pouco tempo de convivência Vítor sentiu que queria tocar naquele pequeno móvel e assim o fez. Deu algumas alisadas e abriu duas das três gavetas que existia no criado-mudo, ambas estavam vazias o que levou Vítor a achar que a terceira também estaria. De repente, na primeira gaveta, se abriram dois olhos, das partes laterais do criadinho nasceram braços e seus pés que antes eram somente apoio agora eram peças importantes para locomoção. E ao abrir e fechar a gaveta do meio, a única não aberta por Vítor, ele ouviu o seguinte som:

– Oiii!

O coração de Vítor foi parar na boca e ele ficou imóvel por ter visto algo que até exato momento só tinha visto nos maravilhosos desenhos de Walt Disney. Aquele ser estava vivo e era real!

– Olá - nesse momento Vítor falou para dentro e assim fez com que o criado-mudo não entendesse muito bem a sua resposta!

– O que? Você pode falar mais alto? Eu não estou entendendo nada do que você está falando... você é mudo?

Vítor falou que não com a cabeça.

– Mas então porque você não fala?

– Po-po-por-que vo-você fa-fa-fala! - respondeu ao móvel gaguejando.

– Mas é claro que eu falo! Você se assustou? Eu sou tão feio assim?

A pergunta fez Vitor balançar a cabeça de um lado para o outro outra vez.

- Olha... eu vou ficar aqui onde eu estou e quando você se recuperar desse choque você me avisa, tá?

Passaram poucas dezenas de minutos e o criado-mudo já não agüentava mais esperar e muito menos olhar para a cara de bocó com que Vítor ainda estava. Resolveu cantar a música do sapo que era de sua própria autoria.

­– Senhor sapo, coaxe aqui!
Nunca vá coaxar lá
Mas se aqui um monstro vier
Então pare de coaxar.
Se embora o monstro for
Ou estrago ele fizer
Não agüente tanta dor
Coaxe o tanto que quiser!

– Realmente... de mudo você tem só o nome! - resmungou ao recuperar da crise de bocoismo.

– Mas assim é a nossa vida, meu caro Vítor!

– Eu te disse meu nome?

– Não, você não me disse.

– Então como você sabe que eu me chamo Vítor?

– Vamos considerar que sou um criado-mudo e não um criado-surdo.

– Tudo bem! Já estou cansado desse negócio de que você é um criado-mudo que fala e tal... Vamos parar com essa besteira e vamos logo ao ponto onde você quer chegar!

O móvel olhou bem fundo nos olhos de Vítor e falou:

– O que eu gostaria que você soubesse é que as pessoas que não falam não são completas idiotas e elas têm opinião, muitas vezes melhor elaborada do que a dos outros. Só que não conseguem botar tudo o que pensam para fora. Talvez elas saibam que serão censuradas por um mundo de ignorantes ou por um bando de desanimados.

– Talvez as pessoas que não expõem suas idéias sejam egoístas e por isso não mostram seus grandes pensamentos.

– Algumas pessoas são assim, mas a maioria é gente boa. São pessoas que só querem que os outros entendam o quanto suas idéias podem dar certo e as ajudem a transformá-las em realidade.

– É raro encontrar pessoas que ajudem as outras, não é mesmo?

– Você tem razão, meu caro Vítor! Mas é muito mais difícil encontrar alguém que saiba que o outro está precisando de ajuda sem que ele diga uma só palavra.

– Como assim?

– Você já teve animais de estimação?

– Já, muitas vezes.

– Eles falavam com você?

– Não no nosso português claro do dia a dia!

– Vejo que está me entendendo. Nossos gatos ou cachorros falam com a gente através de olhares, movimento do corpo e até mesmo barulhos feitos com a boca! Basta nós lembrarmos de um cachorro triste e um cachorro alegre! O cão triste solta sons tão deprimentes que dá até pena do bichinho. Já o cão feliz corre para lá e para cá, late e balança bastante o rabinho. Mesmo não falando uma palavra sequer da nossa língua, conseguimos entender os nossos animais.

– Isso acontece com as pessoas?

– Claro que acontece! Eu e você falamos a mesma língua, porém se dissermos a mesma frase em tonalidades diferentes não estaríamos dizendo a mesma coisa. O tom de voz pode ter mais significado do que a própria frase, ele diz quando as pessoas estão brincando, falando sério, quando estão tristes ou alegres.

– Mas isso não tem muita coisa a ver com o que você está me explicando... você tem que me explicar sobre o não falar!

– Tudo bem! Sabe nos dias que tinha visita na sua casa, na época de sua infância? Lembra-se de algum?

– Sim, me lembro.

– Já fez alguma coisa errada perto de seu pai e das visitas?

– Já! E sei muito bem o que o olhar do meu pai queria dizer.

– O que queria dizer?

– Que eu não iria sair ileso daquela situação... Que o pau ia quebrar depois que a visita fosse embora.

– Isso mesmo...

– Você tem razão! Pessoas que nunca dizem nada podem ser uma das que mais falam. Para entendermos isso é só prestarmos atenção em seus olhares, movimentos corporais e muitas, muitas outras coisas.

– Acho que você entendeu...

E com a mão, mostrou a porta. Muitos, desse gesto, entenderiam “Vai embora, seu feioso” mas Vítor soube decifrar corretamente o que o criado-mudo quis dizer. Ele entendeu: “Vamos, eu te acompanho até a porta.”

Vítor se despediu fazendo um sinal com a cabeça para o móvel e este respondeu fazendo um sinal com a mão.

– Como foi o nosso episódio? – perguntou a escada.

Vítor olhou para a escada e disse sem dizer uma palavra através dos olhos: “Como se você não soubesse....”