Enfim, chegou no 4º andar! Como demorou!
Vítor aproximou-se da porta com a mesma lentidão que percorreu todo o caminho que o fez chegar ali onde estava. Já não tinha lágrimas nos olhos. Quando frente a frente com a porta, levantou a mão e apertou a campainha levando um baita susto ao escutar o som de uma sirene. Tirou o dedo da campainha e o barulho parou. E apertando-a novamente a sirene tocou. Parecia a sirene de uma ambulância ou da polícia. Só parecia...
Ao abrir a porta, disse uma senhorita que usava óculos:
– Tudo bem, tudo bem, já escutamos o sinal e já estamos todos dentro da sala de aula. Não é mais necessário tocá-lo.
Vítor a olhou nos olhos e pensou:
– Deve ser uma professora... Tomara que seja uma professora normal.
Era mesmo uma professora. Sem perder muito tempo ela continuou:
– Ande logo! Já está atrasado. Entre e sente-se no seu lugar sem fazer barulho.
Pode não parecer, mas ela não estava brava e falou isso calmamente.
Vítor deu o primeiro passo para o apartamento e nele viu o quanto grande era a sala de aula da senhorita. Estava cheia e só não demorou para achar seu lugar porque as criança, seus novos colegas, o ajudaram.
A carteira até que era confortável. O que Vítor não estava suportando era a aula de matemática.
– Um triângulo tem três lados, o quadrado tem quatro lados, e o círculo, quantos lados tem?
Rapidamente, Edgar, um menino gordinho que sentava na frente de Vítor respondeu:
– Dois lados, professora! O lado de cima e o lado de baixo.
– E como você chegou a essa conclusão?
– É simples, professora! É só observar a minha bolinha. Quando eu a jogo e a faço rolar, eu vejo que, apesar dela estar girando, ela só tem o lado de cima e o lado de baixo. Sempre. Se você quiser pode fazer o teste na sua casa.
– Eu entendo, Edgar! Mas, vamos complicar mais as coisas. E se eu fizesse um pontinho com uma caneta na sua bolinha e a fizesse rolar? Onde estaria o pontinho? Com certeza, em alguma hora ele não estaria nem no lado de cima e nem no lado de baixo.
– Olha, professora! Se o problema é tão simples para que complicar? As pessoas têm essa mania de querer ver o que não existe onde não tem nada. A vida já é muito complicada sem as complicações. Quer um exemplo?
– Quero.
– Se eu disser você me dá dez pelo resto da vida? Sabe? Para facilitar para a senhora!
– Com certeza!
– O melhor exemplo de que a vida já é complicada é que ninguém gosta de complicações mas todo mundo gosta de complicar.
– É um bom exemplo.
E, ao tocar o sinal, todos saíram e foram para o recreio. Vítor foi o último a sair da sala para ir até o pátio. Não demorou muito e um dos alunos se aproximou dele e perguntou:
– Qual o seu nome?
– Vítor, me chamo Vítor e você?
– Lucas.
E um curto silêncio aconteceu sendo interrompido por Lucas.
– De onde você veio?
– Não sei! De verdade, eu não sei. – respondeu Vítor.
– Você é um mentiroso e também...
Não houve tempo para Lucas terminar a frase porque o sinal tocou novamente e todos os alunos tinham de voltar para a sala de aula.
Indignado, Vítor reclamou:
– Mas o que é isso? O nosso recreio é só esse tempinho mixuruca? Isso não está certo.
– Está mais que justo esse tempo de recreio. – disse a senhorita nervosa como só Deus sabe, e continuou – Sente-se já no seu lugar e não reclame. Caso contrário te ponho as orelhas de burro, que é o que você merece. Tamanho homem e ainda não saiu do primário.
Aquela não era a mesma senhorita de antes. Para dizer a verdade, era. Vou tentar explicar: era mas não era. Apesar da mesma cara, não tinham os mesmos comportamentos. Talvez fosse um clone! Isso não importa, o importante eu já disse e repito: não tinha os mesmos comportamentos.
Vítor e todos os outros alunos já estavam sentados.
– Não se assuste, coleguinha! É normal ela virar bruxa depois do recreio. – cochichou Edgar aos ouvidos de Vítor virando-se para trás.
– Obrigado pelo aviso, amiguinho.
– Só estou te avisando porque ela vai acabar com o próximo coitado que for chamado. Você é novo e talvez seja você.
Vítor olhou bem nos olhos de Edgar e arregalou os próprios. Enquanto isso a professora disse:
– Lucas, levante-se.
Toda a classe se sentiu um pouco aliviada, mas só um pouco.
– E agora! O que vai acontecer, Edgar? – perguntou Vítor ao novo colega.
– Não sei! Nesse lugar aqui tudo pode acontecer: desde a coisa mais maravilhosa do mundo até a coisa mais maligna. Só vendo para saber...
Lucas já estava de pé e por muitas vezes engoliu seco.
– Onde está o seu trabalho, moleque? – esgoelou a senhorita.
Lucas nada respondia. A única coisa que conseguia fazer naquele momento era engolir seco.
Mais furiosa do que antes gritou mais alto do que da última vez:
– Responde, seu inútil!
Era notada sua tamanha irritação pelas veias e pela coloração vermelha, quase roxa, que apareceram em sua face. Somente algo divino poderia transformar aquela situação escandalosa e inútil em algo, pelo menos, normal.
De repente, uma rosa branca caiu do céu em alta velocidade fincando-se na cabeça da senhorita. Todos viram o que tinha acontecido, menos ela. Nem sequer sentiu a rosa branca ter o cabo introduzido na sua fábrica de idéias.
À medida que ia gritando mais com o pequeno aluno, a rosa branca ia ficando de cor vermelha e quanto mais isso acontecia mais seu nervosismo ia diminuindo. Pouco tempo depois a rosa já estava vermelha, o rosto da senhorita de aparência amigável e todos na sala aliviados.
Como se não tivesse acontecido nada, a senhoria continuou a conversa com o aluno, mas desta vez num tom doce e calmo.
– Então, porque é que você não fez o trabalho?
– Sabe o que é, professora? - respondeu Lucas – Eu não tenho equipe, ninguém quer fazer o trabalho comigo?
– E você sabe o motivo para isso?
– Eu acho que é porque eu sou exigente nas coisas que faço e também porque ninguém concorda com as minhas idéias... mesmo com eles sabendo que minhas idéias são boas e criativas.
– Que coisa feia, classe! – disse a senhorita para o restante da classe e depois voltou a falar com Lucas - E você tinha muitas idéias para o seu trabalho?
– Tinha sim, senhorita! Ter idéias é fácil, o difícil é encontrar alguém que te ajude a realizá-las. As pessoas têm medo de falharem ao tentar levar uma idéia para a realidade e ninguém pode ser assim. Se temos uma idéia boa, bem planejada e que nos faça feliz, devemos fazê-la real. Tomando, claro, todos os devidos cuidados necessários. E sempre, sempre ajudando a construir as idéias dos outros, para que sejamos ajudados quando precisarmos.
– Mas porque você não fez o trabalho sozinho?
– Porque eu gosto de saber o que as outras pessoas pensam. Desse jeito o trabalho fica melhor e mais gostoso de ser feito.
– Tudo bem, dessa vez eu vou deixar você entregar o trabalho amanhã.
– Obrigado, professora!
E a senhorita perguntou para a classe:
– Alguém quer fazer o trabalho com o Lucas?
Ninguém se candidatou. Assim é o mundo, Lucas! Assim é o mundo...
O sinal bateu e todos os alunos, correndo, saíram da escola para ir para casa. Vítor fez o mesmo, e ao passar pela porta chegou no corredor por onde tinha entrado. Dali foi rapidinho para o 5º andar sem dizer nada para a escada.
Realmente! – pensou a escada - Ninguém quer estudar, mas todo mundo quer nota no final do ano. Que coisa... Que mundo...