segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Capítulo 14

– Já sei... no 5º andar, como em todos os outros, eu vou encontrar a porta de um apartamento, vou entrar e alguma coisa estranha vai tentar me dar uma lição de moral, uma lição de vida. – disse Vítor para a escada.

– Que bom que você já está se acostumando, Vítor!

– É só o que aconteceu até agora, não é preciso ser um gênio para saber isso.

– Não posso te dizer muita coisa, Vítor, mas sempre espere o inesperado. Conselho de consciência!

– O inesperado aqui é impossível...

– Não me atreveria a dizer isso em um prédio como esse!

– Você é você! – falou já perdendo a paciência com a escada.

– Eu sou eu, logo, você é eu e eu sou você. Somos a mesma pessoa e por isso tudo o que eu acho você também acha, mesmo que não queira assumir.

– A senhorita escada poderia ficar quieta por alguns instantes? Será que isso seria possível? Tomara que isso algum dia ocorra!

Enquanto resmungava com a escada, Vítor não notou que já estava no corredor do 5º andar. Só parou de reclamar e percebeu que já estava onde estava quando a lâmpada que iluminava aquele corredor caiu como um tiro certeiro na cabeça dele. Pequenos cacos de vidro se espalharam pelo chão junto com o corpo de Vítor, que caiu duro e de costas.

Apesar do tombo ele não desmaiou e se levantou imediatamente se dirigindo à única porta que tinha no corredor. Por mais que girasse a maçaneta a porta não se abria e ele não desistiu, pois pensava que alguma hora aquela porta iria abrir.

Mas a porta não se abriu. Vendo aquela cena ridícula a lâmpada falou em alto e bom som:

– Adoraria te dar uma luz aí, amigo Vítor, mas isso não será possível... – e olhou ao seu redor apontando para os caquinhos que estavam espalhados.

– Justamente o que eu não esperava: uma luz falando!!!

– Luz não, amigo Vítor, sou uma lâmpada. Luz é o que você precisará para continuar a subir e passear pelos outros andares. Sabe por quê?

– Por quê?

– Porque é a minha luz que dá o livre arbítrio de se abrirem e se fecharem quando quiserem às portas desse prédio. Sem a minha luz elas só podem ser encontradas fechadas, ou melhor dizendo, trancadas.

– E o que eu tenho com isso?

– Você vai ter que me arrumar! Você terá que colar cada pedacinho um no outro com incrível perfeição. Caso contrário ficará aqui para sempre! Como eu já disse, as portas não se abrem, em hipótese alguma.

Vítor correu em direção à lâmpada para chutá-la, mas no meio do caminho pisou em um dos pedacinhos de vidro que se quebrou em mais pedacinhos e por isso, parou!

– Nada disso, amigo Vítor! Quanto mais nervoso você ficar mais difícil vai ser para me colar com a perfeição que é necessária. Veja só, você pisou em um caquinho e ele virou vários caquinhos menores... Azar o seu e sorte a minha, porque vou ter uma raridade, vou ter uma pessoa para conversar comigo durante muitíssimo tempo!

– Não acredito nisso! Isso, realmente, não estava na minha lista de coisas impossíveis que são possíveis de se acontecer aqui nesse prédio!

– Quer uma dica, amigo Vítor?

E já mais calmo Vítor a aceitou:

– Fala, gênio da lâmpada!

– Espere o inesperado!

– Eu já escutei isso em algum lugar... não me lembro onde foi!

– Todos dizem isso! Deve estar enterrado no fundo da sua consciência.

Vítor olhou para a lâmpada e fez com a cabeça o sinal de “é... talvez!”, porém, ele logo perguntou:

– Mas como eu vou colar seus caquinhos se aqui não tem cola?

Olhando para todos os lados, tentando achar a cola ouviu a resposta da lâmpada:

– Eu não posso ser colada com cola! Tenho, obrigatoriamente, que ser colada com cuspe.

– Tenho que te colar caquinho por caquinho e ainda com cuspe?

– Espere o inesperado!

Vítor começou a colar. Enfiava o dedo na boca, passava nos pedacinhos e depois tentava encaixar um por um, como se fosse um quebra-cabeça. A lâmpada não parava de falar, estava muito feliz por estar sendo colada e, além disso, não queria perder a oportunidade de conversar com alguém de verdade.

Ele, no entanto, não dava a mínima bola para ela por dois motivos: o primeiro era que o assunto dela não era nada interessante para Vítor e o segundo era que com o dedo indo e vindo da boca, não dava mesmo para conversar.

– Sabe que eu sou uma lâmpada mágica? – perguntou a escada.

O assunto começava a ficar interessante para Vítor, que já prestava atenção nas palavras da amiga e que já tinha arranjado um jeito de falar com o dedão na boca.

– Continue, amiga lâmpada, continue!

– Mas eu não posso realizar três desejos, o que eu posso fazer é responder três perguntas, qualquer que sejam elas.

– Isso já esta de bom tamanho! Posso fazer a primeira?

– Não, eu tenho que estar num perfeito estado de colagem!

– Traduz...

– Primeiro, você tem que me colar direitinho... Como tínhamos combinado!

– Ah... Além de abrir as portas você também responde perguntas! Isso é interessante.
– Sim, mas só para a pessoa que é dona do cuspe que me colou!

– Entendo...

Depois de algumas horas colando, Vítor terminou. A lâmpada já estava com sua luz, assim, as portas do prédio já podiam abrir e fechar segundo o livre arbítrio das mesmas.

– Só mais um favorzinho, amigo Vítor! Coloque-me lá no teto que é o meu lugar!

– Pois não, amiga lâmpada! Eu também tenho um favor para pedir.

– Pode dizer.

– Espere-me aqui, enquanto eu vou dar uma passadinha naquele apartamento – e apontou para a única porta de apartamento que lá tinha.

– Não perca tempo, amigo Vítor! Aquela porta é falsa, não chega a lugar nenhum, para dizer a verdade jamais se abre.

– Mas você disse que todas se abrem, só depende delas mesmas e da sua luz.

– Espere o inesperado, amigo Vítor!

Vítor ficou muito feliz ao saber que não teria que entrar naquele apartamento, seria um impossível a menos na lista dele e antes que a porta se resolvesse se abrir ele disse:

– Vou fazer as minhas três perguntas agora.

– Estou escutando, amigo Vítor!

– Você vai me responder tudo o que eu quiser saber?

– Vou.

– Qualquer coisa?

– Qualquer coisa.

– Você não está me enganando?

– Não.

– Então, eu quero saber se...

– Eu já respondi às três perguntas as quais você tinha direito! Não posso responder mais nenhuma!

– Mas eu sou seu amigo, amiga lâmpada! Bem, pelo menos eu achava que fôssemos amigos! Afinal, nós conversamos durante horas e eu te colei com a máxima perfeição que eu consegui. Fiz isso porque achei que você quisesse ser minha amiga!

A lâmpada não falava nada e por isso Vítor continuou:

– Eu, realmente, não esperava isso de você!

– Espere o inesperado! – respondeu a lâmpada.

Isso foi o suficiente para que Vítor pensasse em quebrar a lâmpada novamente, porém, ele se lembrou que se o fizesse não poderia sair dali.

Então, antes que cometesse alguma besteira, saiu rapidamente pela porta que levava até o 6º andar.