segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Capítulo 16

Vítor, após ter subido as escadas, parou em frente da porta do apartamento do 7º andar e disse para a escada:

– Vou entrar logo! Assim isso tudo acaba logo!

– O que espera? – disse ela.

E assim fez Vítor, entrou no apartamento.

– Hum... uma sala! Bem, vou esperar o bicho que vai falar comigo sentado aqui, nessa cadeira.

No momento em que já estava sentando, ele se lembrou, pensando consigo mesmo:

– Ei! E eu for conversar com essa cadeira? Ela vai gritar, fazer escândalo e... Quer saber? Acho melhor eu perguntar!

Vítor falou para a cadeira:

– Oi, senhora cadeira! Tudo bom com a senhora? Eu sou quem você estava esperando!

A cadeira nada respondia e, então, ele falava mais alto, como se estivesse falando com alguém surdo.

– Alô! Cadeira! Tem alguém aí? Responde!

Como ela não respondeu, ele, já de saco cheio, sentou para esperar. Sentado percebeu que tinha duas placas pregadas na parede. Uma dizia “Sorria, você está sento filmado!” e a outra dizia “Sorria, você está fotografado”. Vítor não ligou para nenhuma das placas, nem mesmo para a que falava de fotografia, afinal era normal filmar lugares por motivos de segurança, pensou que a fotografia estava sendo usada pelo mesmo motivo.

De repente, ele viu uma luz que acendeu e apagou rapidamente na outra sala. Na primeira vez que isso aconteceu ele conteve sua curiosidade esperando sentadinho, mas da segunda vez ele não agüentou e foi até a outra sala ver que luz era aquela que acendia e apagava tão rápido.

A luz era o flash de uma máquina fotográfica que ao ver Vítor perguntou:

– O que você faz aqui?

– Eu vim tirar fotos! – mentiu Vítor – Você é a máquina que tira fotos?

– Não, não sou! Eu sou a filmadora! – corrigiu a máquina fotográfica.

– Ah! Já entendi! Você é daquelas que gosta de tirar sarro, não é? Saiba que a piada foi boa!

– Que piada? Eu estou trabalhado e não brinco em serviço. Vou chamar a filmadora que é quem tira as fotos aqui.

Vítor confuso quis saber:

– Mas se é a filmadora quem tira as fotos, o que você, a máquina fotográfica, faz?

– Eu filmo, dhãã! E depois de ter dito isso gritou para a filmadora que tirava as fotos – Filmadora, tem um cara querendo tirar fotos! Venha aqui!

E chegou a filmadora que tirava fotos.

– Pois não, cavalheiro! Queira sentar-se aqui, nesse banquinho.. – disse a filmadora para Vítor.

– Obrigado, mas não vou me sentar enquanto não me explicarem esta história direito!

– Você está vendo esse cara? É um babacão! E todos os seus clientes vão ser assim! – explicou a máquina fotográfica para a filmadora, já que aquele era o primeiro dia de trabalho da filmadora.

– Ei... não sou nenhum babacão! Babacão é o seu papai e a sua mamãe! – gritou Vítor bravo com a máquina fotográfica.

– Vejo que conhece a minha família! – se surpreendeu a máquina.

– Não conheço ninguém.

– Então, como sabe que meu pai e minha mãe são babacas? – perguntou a máquina que depois continuou – Para dizer a verdade a minha família inteira é de babacas!

– É modo de dizer, não quis ofender a sua família!

– E não a ofendeu. Só que o que você falou é verdade.

A filmadora se pôs a rir dizendo:

– A família da máquina fotográfica é uma família de babacas! Lá só tem babacas!
Olhando bem fundo na lente da filmadora que tirava fotos, a máquina fotográfica que fazia filmes, muito séria, falou:

– Está rindo de que? A minha família é idêntica à sua! Todos os problemas que eu tenho você também tem e não tem nenhuma vírgula de diferença entre a sua história e a minha!

A filmadora, depois de ter escutado aquilo, não riu mais! Quem achou o fora que a filmadora levou engraçado foi Vítor que riu baixinho, mas riu. E depois de ter sido intimado pelos olhares das duas, parou de rir e perguntou:

– Qual é a história de vocês?

– Bem! – disse a máquina fotográfica que filmava – O que tem de mal em você saber a história? Mas eu vou ter que te contar com a boca, afinal eu não posso te mostrar o filme, não sei filmar! E não pense você que a filmadora é mais inteligente do que eu, ela sabe não sabe tirar fotos!

– E como vocês trabalham?

– A gente faz tudo com má vontade... – disse a filmadora. – É o meu primeiro dia aqui e eu já aprendi isso!

– Mas assim nenhum trabalho fica bom!

– Bem! Posso começar a história? - perguntou a máquina fotográfica.

– Pode! – respondeu Vítor.

– Bem! Tudo começou numa indústria bem longe daqui, onde eu e a filmadora fomos fabricadas. Eu pertenço à família das máquinas fotográficas e a minha amiga pertence à família das filmadoras. Porém, nossos pais queriam que fôssemos diferentes e que seguíssemos uma profissão diferente da que eles tinham. Foi assim que nasceu a idéia de que eu, uma máquina fotográfica me tornasse uma filmadora e de que a filmadora se tornasse uma máquina fotográfica. Fomos, portanto, criadas desde o primeiro dia de loja até o dia em que fomos compradas para ser o que não éramos!

– Que história triste! – se comoveu Vítor. – Vocês duas são tão iguais e estão juntas...

– Acho que tivemos sorte em morarmos na mesma loja e mais sorte ainda ao sermos compradas pela mesma pessoa. – comentou a filmadora.

Vítor não via motivos para que os pais daquelas máquinas se intrometessem em algo que é de extrema escolha pessoal e que é uma das coisas mais importantes que pode ser conquistadas por alguém. É claro que estamos falando da profissão!

Enquanto pensava nisso ouviu as palavras mais dolorosas que alguém poderia dizer, primeiro disse a máquina fotográfica:

– O que me adianta meus pais quererem que eu seja uma filmadora se eu nasci para tirar fotos?

E depois a filmadora:

– O que me adianta meus pais quererem que eu seja uma máquina fotográfica se eu nasci para fazer filmes?

Realmente, Vítor não sabia o que responder! Para dizer a verdade ele sabia, mas achou melhor dar o seguinte conselho:

– Como vocês não moram mais com seus pais, acho que vocês podem seguir a carreira que mais gostam. Afinal, se vocês realmente gostam isso é possível! Eles não precisam ficar sabendo...

E tanto a máquina fotográfica como a filmadora gostaram da idéia e resolveram pô-la em prática. A partir daquele instante a máquina fotográfica tirava fotos e a filmadora fazia filmes.

Muitas fotos foram tiradas e muitos filmes foram feitos antes da partida de Vítor. Recordações do novo amigo era o que não queriam deixar faltar nenhuma das duas.

Durante a despedida Vítor recebeu também recordações: fotos e uma fita de vídeo com imagens dos três.

– Para você não se esquecer de boas recordações... – disse a filmadora.
E Vítor falou:

– Não se preocupem, nos humanos boas recordações são guardadas na memória! Até a vista!

– Até a vista! – disseram as duas vendo Vítor sair pela porta.

A consciência de Vítor pensou:

– O que me adianta as pessoas quererem que eu seja o que não sou se eu nasci para ser o que eu sou?