segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Capítulo 10

Obedecendo às ordens da escada Vítor a pisoteava se dirigindo para o próximo andar.

– O que está me esperando lá desta vez? - indagou Vítor.

– Sei lá! Talvez seja Poseidon, o deus do mar!

– Não me trate como um ignorante que acredita em tudo o que os outros dizem. Eu não sou estúpido.

Chegaram no 2º andar. A porta na qual Vítor deveria entrar se abriu lentamente, tão devagar que ficou difícil perceber que ela se movia.

– A porta é toda sua... - disse a escada com ironia.

– Muito obrigado! - agradeceu Vítor com a mesma ironia e mais um pouco.

Sem medo e já acostumado que naquele prédio poderia acontecer de tudo, desde o possível até o impossível, ele se aproximou da porta, agora já totalmente aberta, e entrou.

O apartamento, que parecia ser novo porque tinha muitos móveis e aparelhos modernos, era de muito bom gosto. Vítor logo percebeu o tamanho exagerado da televisão, a pintura do teto que ao ser olhada transmitia a plena sensação de se estar olhando para o céu com a existência até de nuvens e o chão que era feito de um piso frio azul.

Andando devagar e maravilhado com o tubarão empalhado que estava dependurado na parede, tropeçou e perdendo o equilíbrio caiu no chão de um modo tão engraçado que o peixinho começou a dar gargalhadas, era tanta que ele quase morreu afogado!

Como era de se esperar, Vítor se levantou com cara de babaca, aquela mesma cara que todo mundo levanta quando leva um tombaço. Indignado com o riso começou a procurar quem o emitia.

– Ai, meu Deus, um peixe? Tinha que ser um peixe para caçoar da minha cara? Não poderia ser um bicho que impõe respeito como um leão, uma onça ou um tiranossauro rex? Não. Um peixe.

– Algum problema em relação ao meu ser? - quis saber o peixinho segurando o riso para não envergonhar mais ainda o ser humano.

– A sua mãe não te ensinou que é feio caçoar das pessoas? Ainda mais quando acontece uma coisa assim: acidental. - falou o acidentado.

O peixinho alaranjado fez cara de triste mas se lembrou do que havia acontecido a poucos minutos atrás e não agüentou, soltou mais uma gargalhada. Vítor ficou muito irritado, chutou com toda sua força o aquário que estava no chão. Foi o suficiente para que o peixe parasse de rir e dissesse em tom sério:

– Nunca mais faça isso, meu caro ser humano. Eu posso fazer da sua vida o que eu bem entender.

– Não pode, não! Acorde para a vida senhor peixe, você é só um peixinho de cor laranja e nada mais. Nem pernas você tem.

– Mas pernas não servem para nada, meu caro ser humano!

– Vejo que você é um peixinho muito burro. - disse Vitor tentando provocar o peixe - É claro que as pernas têm sua utilidade!

– Ah... já sei... As pernas servem para os humanos tropeçarem e assim me fazer rir. - e começou a rir de novo.

Vítor perdeu a cabeça e com fúria pegou o remo que estava preso na parede logo abaixo do tubarão empalhado e se preparou para dar um forte golpe no aquário do peixe.

– Vamos ver se depois dessa remada na cartilagem você ainda vai se divertir como antes.

Inexplicavelmente caiu um grande e barulhento trovão dentro do 2º andar que o transformou, de uma hora para outra e sem mais nem menos, num oceano. O teto virou céu, o piso as águas e a enorme televisão era agora um pequeno barco. Todos os outros objetos foram submergindo devagar ou rapidamente conforme o seu peso.

Vítor também caiu na água com o remo na mão antes de dar a pancada no peixinho. Ele agora, desesperando por estar em alto mar, nadava em direção ao barquinho. Não soltou o remo em nenhum momento, talvez fosse culpa do nervosismo.

Enfim, chegou ao barco. Era realmente pequeno, mal dava para ele se acomodar lá dentro. Descansou alguns minutos e começou a remar para qualquer direção, não fazia a mínima idéia de onde estava. Apareceu, porém, do meio das águas do mar um homem barbado que carregava um tridente e com ele um golfinho.

Assustado, Vítor assistiu à tudo.

– Vamos acertar as contas - disse o homem barbado.

Ele tinha voz de peixe e imediatamente Vítor percebeu.

– Quem é você?

– Eu sou Poseidon, o deus do mar. Talvez agora você me respeite! Caso contrário o seu remo não é páreo para o meu tridente.

Depois de saber que o peixinho era uma divindade Vitor amansou.

– Como todo bom deus faria eu vou tentar esquecer o que você queria fazer comigo - falou Poseidon se referindo à remada que iria levar.

– Prometo que o faço conseguir!

– Além disso eu estou precisando de uma favor seu!

– Tudo o que um deus pede, tem de ser realizado. Você quer que eu sacrifique esse golfinho que está do seu lado?

– Nem se Zeus ordenasse você tocaria nesse golfinho!

– Tudo bem... não está mais aqui quem disse. O que você quer que eu faça?

– Não é muito difícil. Graças à você o meu aquário caiu no fundo do oceano e quero que você vá buscá-lo.

Vítor sabia que isso era impossível e que morreria no meio do caminho mas não discordou do deus.

– Estou indo!

E mergulhou rumo ao fundo do mar.

Poseidon, vendo Vítor sumir adentrando as águas, disse ao golfinho:

– Como é fácil manipular um humano desse século, fosse um grego antigo já teria me mandado pastar!

– Ele parecia ter medo de você, não retrucou uma palavra que você disse depois que soube que você era um deus.

– Vá auxiliar o pobre homem na busca do meu estimado aquário! - falou Poseidon.

O golfinho que é um dos que forma a constelação de peixes nadou até encontrar Vítor.

– Olá. Estou aqui para te ajudar a pegar o aquário!

– Pegar? Você não pode pegar o aquário com nadadeiras.

– Mas eu posso nadar rápido! Por falar em nadar... você não sabe nadar muito bem, não é? - disse o golfinho honestamente.

– Como não? Fique você sabendo que eu peguei primeiro lugar num campeonato de natação que participei! - respondeu Vítor indignado.

– Na parte com terra da Terra pega o primeiro lugar quem chega por último? - perguntou com humildade o golfinho.

Vítor deu um grito e quase que engoliu água.

– Não!!

– Nossa, assim você me assusta!

– Então não pergunte besteiras!

– Posso fazer uma última pergunta? Eu juro que não é besteira.

– Tá bom, pode.

– Se você, que nada tão mal, conseguiu pegar em primeiro lugar o que aconteceu com os outros competidores? Morreram afogados?

Vítor não respondeu e o golfinho ficou triste porque queria fazer mais uma amizade e não estava conseguindo.

Continuaram nadando quietos por muitos litros.

– Estou perdendo a respiração... - falou baixinho para o golfinho para não gastar muito ar. – Acho que vou voltar!

O golfinho olhou para Vítor e viu que seu rosto estava ficando vermelho e com expressões de desespero. Mesmo assim disse:

– Você não pode desistir agora, Vítor! Você já nadou bastante.

– Mas eu não sei onde está o aquário. Ele pode estar bem perto ou bem longe... Além disso eu não consigo respirar!

– Se você desiste, nunca saberá onde estava o aquário. Longe ou perto ele se torna impossível para você!

– E como eu vou respirar? Estamos no fundo do mar, onde eu vou conseguir oxigênio?

– Hum... sei lá... isso é um problema! Durante toda a minha vida de golfinho sempre tive problemas que se resolveram quando eu menos esperava. Se nós estamos correndo atrás de algo que realmente queremos, coisas impossíveis acontecem a nosso favor. Pode demorar, mas acontecem se você nunca desistir!

Vítor estava boquiaberto mas devemos lembrar que o golfinho era do deus Poseidon.

– Você tem razão - disse Vítor se rendendo às filosofias do golfinho. – Acho que agüento mais alguns minutos... Vamos continuar!

Os dois observaram um navio naufragado mas não deram muita atenção a ele, só pensaram em como o navio era feio.

– Eu estou vendo! - gritou o golfinho feliz da vida ao avistar o tão procurado aquário.

– Então vamos rápido ou daqui a pouco morrerei afogado!

Lá estava o aquário que até então só tinha trazido problemas a Vítor. Ao se aproximarem para pegá-lo Vítor pensou em voz alta:

– Se eu gastei todo o meu oxigênio para chegar até aqui, como vou fazer para voltar tudo o que já nadei? Eu vou morrer!

– Fique calmo! Lembra-se quando eu disse que coisas impossíveis acontecem quando nós não desistimos do que procuramos?

– Lembro.

– Pois olhe bem para o aquário e verá que ele está de ponta cabeça e em seu interior tem ar. É o suficiente para voltarmos até a superfície.

Vítor enfiou a cabeça dentro do aquário de um modo que não deixasse o ar fugir e respirou. Tempos depois estavam ele e o golfinho entregando o aquário ao deus Poseidon que transformou o mar e o céu naquele belo apartamento no qual Vítor entrara.

– Obrigado por me deixar sair com vida, deus Poseidon - agradeceu a bondade do deus.

O deus, que estava em sua forma normal, não falou nada.

– Obrigado golfinho! Nunca me esquecerei da ajuda que me veio de você!

– Foi um prazer! - respondeu o golfinho muito feliz em ter sido reconhecido.

Vítor se dirigiu até a porta mais nadando do que andando e saiu do apartamento. Lá fora a escada o esperava para levá-lo ao próximo andar, mas antes perguntou:

– Como foi?

– É uma história muito grande... você vai ficar curiosa porque eu não vou contar!

Nem era preciso! A escada sabia tudo o que acontecia.