Fizeram todo o trajeto até 9º andar quietos. Notando que o ar estava mais quente que nos outros andares a escada quebrou, ou, no caso, derreteu, o gelo:
– Está muito quente, Vítor! Veja, você está até suando.
– Tem razão, – disse ele se abanando com as mãos – está muito calor. Acho que vou entrar rapidinho no apartamento para, talvez, encontrar uma sala bem gostosa com ar condicionado.
– Está esperando o que? Entre logo.
Os segundos não conseguiriam marcar o tempo que Vítor levou para abrir a porta e entrar no apartamento devida a sua grande rapidez. Tampouco conseguiriam marcar o tempo que ele levou para se frustrar ao ver que ele havia entrado não em uma sala refrigerada, mas sim, num lugar seco e mais quente do que estava fora do apartamento.
– Minha nossa!
Dizendo isso começou a andar pelo lugar para procurar água. Aquele lugar o tinha deixado com muita sede. Procurou durante um bom tempo e não encontrou a bendita água. Por isso, Vítor concluiu:
– Estou em um deserto!
Nesse momento, uma voz contestou:
– Não, você não está em um deserto, você está no sertão. Eu sou o sertão.
– Sertão? Você é o sertão? Aquele que todo mundo reclama e diz que é um grande mal?
– Sou eu mesmo, mas eu não faço mal por mal, faço porque eu tenho de fazer. É a minha função pôr nos lugares um clima seco.
– E o que você acha sobre as coisas que pensam de você?
– Não gosto quando alguém pensa em: sertão malvado, sertão assassino, sertão rude, sertão egoísta, sertão mesquinho, sertão imbecil e nem em sertão chato.
Assustado Vítor perguntou:
– As pessoas pensam tudo isso de você?
– Pensam isso e muito mais coisas – respondeu o sertão.
– Mas pensam com razão, não concorda?
– Concordo, mas eu gostaria que a maioria pensasse em: sertão agradável, sertão amado, sertão doce, sertão digno, sertão compreensível e, acima de tudo, em sertão justo.
– Então, senhor sertão... você vai ficar só no gostaria...
– Você vê? Vê como a vida do sertão é dura?
– Vejo.
– Se você já percebeu que a vida aqui é dura, porque não vai embora agora? A porta está ali e você pode sair a hora que quiser.
– Posso ir?
– Pode, já falei tudo o que era necessário.
– Está bem – e saiu.
Vítor não tinha entendido muita coisa do papo que tinha tido com o sertão.
– É cada maluco que me aparece nesse prédio...
A escada, então, resolveu ajudar:
– Vítor, existem malucos que podem ser tão normais quanto você. Isso se você puder ser considerado uma pessoa normal...
– Ei, não fale assim comigo!
– Mas é a verdade: você não é lá muito normal!
– Para o seu saber eu sou normal. É você quem me parece um ser tão diferente que... que...
A escada riu e completou:
– Vamos para o 10º andar. Você não tem o que reclamar de mim.
Vítor não disse nada. Diz o ditado que quem cala, consente. Assim, tomaram rumo para o andar superior.